Sou um contador de histórias e há quem goste de ouví-las!!
Mas sem pretensões científicas ou filosóficas, apenas dando uma boa viajada na maionese, pois é assim que nasce um bom papo...
Sem a intenção de reunir uma multidão, afinal, isso aqui é privilégio de poucos...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Copiei do site de uma portuguesa de 77 anos - http://asebenta.blogspot.com

Conto de Junho


Memória de Elefante

Eram várias as recordações que tinha das colegas de escola, principalmente dos últimos anos.
Havia a Olívia, que morava na rua Fernão de Tomás, bem perto daquela loja que vendia os casacos de peles mais cobiçados dos seus quatorze anos.
A Odete que alimentava os gatos vádios do seu quarto andar com latas de comida e água, morava na Rua da Madeira, no Porto, claro.
A Natália e a Cândida, irmãs ricas, viviam numa vivenda na parte chique da cidade, e os lanches eram qualquer coisa que ela não podia ter na sua humilde casa de um só piso, nas traseiras da loja onde a mãe tentava equilibrar as finanças de divorciada.
Mas aquela que ela nunca esquecera fora a Leonor, que morava lá no alto da Rua Stº Ildefonso, num quarto andar de escadas a ranger a cada passada, onde ia fazer os deveres de casa quando a matéria era de difícil explicação.
Ao descer, sempre mas sempre, Leonor a empurrava cada degrau de escada, com risco de a fazer cair perigosamente. Conseguia ser rápida de modo que nunca houvera perigo de maior, mas a sensação permanecera e nunca esquecera aquela iminência de perigo, ao ponto de ainda hoje, passados cinquenta anos, de vez em quando, sonhar com qualquer coisa de semelhante como a vertigem de uma escada a ser galgada de quatro em quatro.
Estivera internada com uma depressão ou esgotamento, não sabia ao certo, resolvera voltar ao Porto para encontrar um motivo para continuar, para se encontrar entre o presente e o passado.
Aproveitou as festas de S. João, em visita a familiares e amigos, apreciando cada cheiro, cada esquina, recordando os velhos cantos, admirando cada melhoramento, lamentando as degradações de uma face da cidade que já fora bela, onde brincara “à macaca” na sua meninice, a escola primária, o jardim onde ia nas tardes de verão…
Certa tarde a caminho do jardim de 24 de Agosto, ao passar pela Rua Stº Ildefonso, quem vê com espanto a sair de uma casa que lhe parecia familiar? A Leonor!
Ficam indecisas, olhando-se mutuamente, hesitando em acreditar…e acabam por, olhando melhor, se cumprimentar, reconhecidas pela juventude já perdida nas rugas de cada uma.
O barulho da rua apagou as palavras e o grito de Leonor, no preciso momento em que passava um autocarro e um braço imitou um gesto de infância, tornado trauma, e a empurrou com um mudo brado libertador.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Vida e a Manga - Rubem Alves

O velho caipira, com cara de amigo, que encontrei num Banco, estava esperando para ser atendido. Ele ia abrir uma conta.
Começo de um novo ano... Novas perspectivas...
E como não podia deixar de ser, também começou ali um daqueles papos de fila de banco. Contas, décimo terceiro que desapareceu, problemas do Brasil, tsunami...
Será que vai chover?
Mas em determinado momento a conversa tomou um rumo:
"- Qual é então o maior problema do Brasil para ser resolvido?
"E aí o representante rural, nosso querido "Mazaropi da modernidade"
falou com um tom sério demais para aquele dia:
" - O Maior Pro blema do Brasil é que sobra muita manga!"
Tentei entender a teoria...Fez-se um silêncio e ele continuou:
" - O senhor já viu como sobra manga hoje debaixo das árvores? Já percebeu como se desperdiça manga?"
"Sim... Creio que todos já percebemos isto... Onde tem pé de manga, tem sobrado manga...
E aí ele continuou:
" - Num país onde mendigo passa fome ao lado de um pé de manga... Isso é um absurdo! Num país que sobra manga tem pouca criança.
Se tiver pouca criança as casas são vazias...
Ou as crianças que tem já foram educadas para acreditar que só "ice cream" e jujuba são sobremesas gostosas.

Boa é criança que come manga e deixa escorrer o caldo na roupa... É sinal que a mãe vai lavar, vai dar bronca, vai se preocupar com o filho.
Se for filho tem pai...
Se tiver pai e manga de sobremesa é por que a família é pobre... Se for pobre, o pai tem que ser trabalhador...
Se for trabalhador tem que ser honesto... Se for honesto, sabe conversar...
Se souber conversar, os filhos vão compreender que refeição feliz tem manga que é comida de criança pobre e que brinca e sobe em árvore...
Se subir em árvore, é por que tem passarinho que canta e espaço para a árvore crescer e para fazer sombra...
Se tiver sombra tem um banco de madeira para o pai chegar do trabalho e descansar...
Quem descansa no banco, depois do trabalho, embaixo da árvore, na, sombra, comendo manga é por que toca viola...
E com certeza tá com o pé na grama... Quem pisa no chão e toca música tem casa feliz... Quem é feliz e canta com o violeiro, sabe orar...
Quem sabe orar sabe amar...
Quem ama, se dedica... Quem se dedica, ama, ora, canta e come manga, tem coração simples... Quem tem coração assim, louva a Deus.
Quem louva a Deus, não tem medo... Nada faltará porque tem fé.. Se tiver fé em Deus, vê na manga a providência divina.. .
Come a manga, faz doce, faz suco e não deixa a manga sobrar... Se não sobra manga, tá todo mundo ocupado, de barriga cheia e feliz.
Quem tá feliz.... não reclama da vida em fila do banco... "
Daí fez-se um silêncio...

Rubem Alves

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dependência Química

O acesso a informação é crescente.
Hoje, mais do que nunca se tem acesso à informação sobre quaisquer assuntos que se tenha interesse.

A destruição que se tem estabelecido pelo uso de drogas, lícitas ou ilícitas é catastrófica.
Todos sabem que o cigarro, por exemplo, tem causado grandes males. Câncer no pulmão, na garganta, estômago ou cordas vocais. Problemas nos dentes e na boca; sem citar os incômodos sociais. Mau cheiro nas roupas, mau hálito, e até riscos de incêndios. Leis Municipais, estaduais e federais superam-se constantemente na regulação, controle e repressão ao hábito do tabagismo.
Mesmo assim, diariamente milhares de pessoas inauguram em suas vidas esta prática insegura e incerta.
A maioria dos fumantes começou a fumar na adolescência. E é exatamente na idade do beijo que, moças e rapazes embarcam na arapuca do cigarro. Isso mesmo. Idade do beijo. Na idade da paixão e do namoro, das primeiras aventuras amorosas. Um paradoxo.

Existe todo um glamour em torno da bebida alcoólica. Muitos comerciais são direcionados aos jovens, maquiando a apresentação e transformando-a num ícone de felicidade. O cruel é saber que anos depois o usuário bebedor compulsivo irá desenvolver uma dependência tão acirrada que se lhe faltar bebida por um dia se desencadearão diversos efeitos chamados de síndrome de abstinência. Entre os sintomas há a alucinação.
Certa ocasião em um centro de recuperação de alcoólatras tive uma experiência marcante. Na companhia de um jovem em tratamento, passeávamos num pátio onde, de súbito, este me interrompe com um grito de alerta, para que eu tomasse cuidado com uma suposta cerca que estaria bem à minha frente. Ele a via; Só ele. Foi triste ver um homem novo naquele estado.

Derivados da cocaína têm conseqüências devastadoras no sistema nervoso, acumulando durante seu uso muitas reações, que o cérebro desencadeia total e desordenadamente depois de passado o efeito. Estímulos emocionais que ficaram represados se transformam em anomalias nervosas quando abertas as comportas que os continham. Como resultado temos anormalidades sexuais, síndrome do pânico, delírio perceptório ( que é a sensação contínua de se estar sendo perseguido), etc.

Faltará-nos tempo pra falar da maconha que destrói neurônios que, aliás, não se recompõem, ao ponto de não ser mais possível tramitar entre dois assuntos sem dizer: Ãh?

Então por que será que todos os finais de semana, milhares e milhares de jovens começam a usar uma destas substâncias?

Qual o motivo pelo qual a geração do conhecimento abre mão de toda a informação que se tem a respeito dos malefícios das drogas para se enveredar por este caminho sinuoso que extinguirá toda competitividade profissional; destruirá sua vida familiar; eliminará sua carreira estudantil, causando-lhe tantos distúrbios em diversas áreas?