Sou um contador de histórias e há quem goste de ouví-las!!
Mas sem pretensões científicas ou filosóficas, apenas dando uma boa viajada na maionese, pois é assim que nasce um bom papo...
Sem a intenção de reunir uma multidão, afinal, isso aqui é privilégio de poucos...

sábado, 17 de julho de 2010

Aquilo que liga as nossas vidas

    No domingo estive num funeral.
   
     A vida de pastor me dá a oportunidade de participar da vida das pessoas em suas mais diferentes situações. Da festa ao desespero, pastores participam de tudo.
    O problema é que nunca consegui enxergar isso como profissão. Enquanto vejo muitos ministros religiosos desempenhando seus papéis numa cerimônia fúnebre e indo embora, sempre me pego envolvido na dor daqueles enlutados a ponto de acompanhá-los, independente de meu nível de intimidade com a família, até o fim.
    
     E domingo não foi diferente.

      O corpo daquele homem que viveu mais de 90 anos jazia no centro das atenções; pensei quantas vezes aquele homem forte havia sido o centro das atenções. Esta era a última.
      
     Quem eu estava velando?
    
     Inúmeros filhos, netos e bisnetos, além de amigos da família e outros parentes compunham o cenário que não seria tão dolorido não fosse a presença da viúva. Chorosa, velhinha de óculos escuros, óculos que não conseguiam esconder seu desespero. Um desespero que não era consonante com a idade de quem partiu, não era consonante com o sofrimento que antecedeu a partida.
     Mesmo nos parentes mais próximos vía-se um ar de corformação que era embalado pela lembrança do sofrimento dele durante os últimos meses...
     Mas ela não. Aquele era seu companheiro de uma longa caminhada que agora, sem maiores avisos, fica à beira do caminho. Ah! Quantas conversas, aventuras, problemas solucionados...quantas histórias! Ela não se conforma...

   Eu velava aquela mulher.

   Por quem eu estava chorando?

   Eu chorava por mim... Mas não somente por mim, eu chorava por meus filhos que um dia me verão partir e sofrerão com isso. Eu chorava por minha companheira nesta vida que um dia continuará sua caminhada sem minha companhia... Eu os via nos rostos daquelas pessoas que eu mal conhecia, mas que em muito me identificava.

    ...de repente aquela mulher tira os óculos escuros como quem deseja ser vista com toda sua expressão facial pela última vez, olha pro seu amigo, cúmplice, amante e irmão pela última vez antes que fechassem o caixão e faz um gesto que desmorona toda certeza que se tinha de se estar perto de entender o que ela sentia: Um aceno com as mãos, um adeus! Mas não um aceno como qualquer outro visto na televisão! Não um aceno convencional transmitido pela cultura! Não. Aquele era um sinal entre eles! Eu vi! Ela tinha certeza de que ele entenderia toda a comunicação daquele gesto que por milhares de vezes havia sido um código entre eles!
     Não havia uma preocupação se outros estavam vendo. Ela se despedia...numa última atitude íntima...

     Renove-se em nós esse amor! Não utilitário, não interesseiro, não descartável...

    Renove-se em mim este sentimento por todos que estão a minha volta para que no momento incalculado da partida, tenhamos também códigos secretos de comunicação entre nós que transcendam a própria vida !!